segunda-feira, 5 de novembro de 2012

CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO BRASIL, POR RENATO DAGNINO


As empresas, no Brasil, absorveram menos de 1% de mestres e doutores formados em ciência dura entre 2006 e 2008. Dos cerca de 90 mil, somente 68 foram contratados. Estes números foram destacados na palestra do professor titular do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Renato Dagnino, realizada no CNPq, dia 26 de outubro, em Brasília (DF).
Em entrevista exclusiva para a Agência Gestão CT&I de Notícias, Dagnino aponta a falta de discussão como um dos principais problemas para reorientar a política do setor.

Na sua opinião, quais são os marcos da Política de C&T no país?
A nossa política de ciência e tecnologia é marcada pela continuidade. Praticamente não houve nenhuma mudança significativa desde o seu início. O objetivo tem sido sempre criar uma capacidade de produção de recursos humanos, uma capacidade de pesquisa. O que estamos constatando como resultado dessa política é uma situação esdrúxula. Nós formamos entre 2006 e 2008 cerca de 90 mil mestres e doutores em ciência dura. As empresas, no entanto, absorveram apenas 68 pessoas. Esse é um dado muito claro e mostra a incoerência dessa política de C&T.
Como o senhor analisa a evolução da política de C&T desde a criação dos fundos setoriais?
Os fundos setoriais foram mostrados para a sociedade como sendo uma iniciativa racional e sistemática. No entanto, eles não decorrem de nada muito sistemático nem racional. Eles foram criados a partir de uma oportunidade onde estavam sendo privatizados determinados setores da economia e, onde, em conseqüência, o governo obteria recursos adicionais em função dessas privatizações. Então o que houve foi um senso de oportunidade dos dirigentes da política de ciência e tecnologia de captar parte desses recursos para o desenvolvimento científico e tecnológico.
Dessa forma, nada garante que aquilo que o Brasil precisava, de fato, quando estavam ocorrendo aquelas privatizações e a constituição dos fundos setoriais, que eram aqueles setores os que mais interessavam ao desenvolvimento do país.  No entanto, volto a dizer, e todos sabem, era ali onde havia a oportunidade de arrecadar recursos. Tanto é assim que, posteriormente à criação dos fundos, houve uma paulatina adaptação desses instrumentos à realidade existente. Então, eu não considero a criação dos fundos setoriais como um marco a ser discutido.
O senhor então não acredita em nenhum avanço na política do setor?
Até onde eu posso verificar a continuidade de algo que parte de supostos, hipóteses, modelos, de como funciona a relação ciência e tecnologia de forma equivocada, essa política tende a produzir resultados indesejáveis. Neste sentido eu não vejo nada que poderia indicar como sendo avanços. Agora, por outro lado, é óbvio que produzir mestres e doutores é melhor do que traficar escravas brancas. Cito este exemplo pois em um dos debates que tive com colegas da Unicamp, um deles uma vez me disse: “Dagnino, por que você vem aqui me incomodar? Eu não trafico drogas, não trafico escravas brancas, pago o meu imposto, a única coisa que eu quero é formar os meus alunos. Por que você está aqui me enchendo o saco”?
O senhor apontou diversos problemas na política de C&T do Brasil. Quais são os principais gargalos do setor?
O principal gargalo hoje é a falta de discussão. Nós não estamos discutindo temas que permitam a nós reorientar a política do setor no sentido da transformação que a sociedade deseja.
Que fatores levam o baixo investimento das empresas em P&D?
Pesquisa e desenvolvimento é caro, é incerto. Você tem que lidar com prima-dona. A comunidade científica nunca erra, quem desafina é a orquestra. Então fazer P&D dentro de uma empresa é sempre muito complicado. Quem é que faz P&D no mundo? São as empresas que não podem roubar, copiar ou comprar. Agora nos países periféricos como o Brasil, a norma não é fazer P&D e sim  roubar, copiar ou comprar.
Como mudar esse quadro?
O quadro é estrutural no nosso capitalismo periférico. Você não o muda. Podemos até derramar mestres e doutores goela abaixo das empresas. Podemos formar 60 mil novos mestres e doutores  por ano e ainda assim é muito pouco provável que  elas absorvam, a não ser que seja de graça, como está ocorrendo de certa forma hoje.


Fonte: News - Newsflash


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